Havia uma figura de negro ontem na Câmara, ar severo, pés no chão, cabeça nas estrelas, coração na mata, o espírito nas esferas celestiais. Era Marina Silva, a verde, vestindo preto para expressar seu luto pela eventual aprovação no novo Código Florestal. A vestal já tinha marchado duas vezes sobre Brasília, indo de seu templo, onde guarda o fogo sagrado, até o templo do poder, o Palácio do Planalto, pedir que não se votasse o texto. Nada de debater na planície. Nada de tentar negociar no Congresso — ela até já havia desdenhado um tantinho do Parlamento. Quem decide, ela deixou claro, é o governo. É a democracia que teremos se esta senhora um dia chegar lá.
Muito bem! Paulo Teixeira, líder do PT na Câmara — aquele que quer criar um código verde, sim, mas para as cooperativas de maconheiros — , discursou e afirmou que Aldo Rebelo (PC do B) havia mudado o texto acordado com o governo e com as oposições. Teixeira não é mentiroso, a gente sabe, mas aquilo que ele dizia era uma mentira.
Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Câmara, e Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB, haviam acompanhando pessoalmente a feitura do texto. O busílis era outro. Usando um direito constitucional que tem, os partidos de oposição fariam um destaque para tentar tirar do governo o direito de legislar sobre culturas agrícolas por decreto (ver texto acima).
Foi o bastante para que a santa do pau oco da floresta mandasse brasa no Twitter: “Estou no plenário da Câmara. Aldo Rebelo apresentou um novo texto, com novas pegadinhas, minutos antes da votação. Como pode ser votado?!” Marina é assim: a Aiatolá da Natureza decreta a fatwa contra a reputação de quem bem entende, e danem-se os fatos. Não tinha havido alteração nenhuma texto — tanto que ele estava devidamente assinado por Teixeira. Aldo se zangou e mandou ver: “Quem fraudou contrabando de madeira foi o marido de Marina Silva!”. Segundo Aldo, quando líder do governo na Câmara, foi procurado por Marina para convencer outros deputados a não convocar o marido, Fábio Vaz de Lima, a prestar esclarecimentos no Congresso sobre a denúncia de crime ambiental.
O plenário explodiu em aplausos. Os verdes ensandeceram. O deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) tratou o relator aos berros: “Canalha! Traidor!”. Um outro, não sei quem, queria que Aldo, imaginem vocês, pedisse desculpas a Marina, como se uma divindade tivesse sido desrespeitada. Não custa lembrar: no debate eleitoral do ano passado, Marina afirmou que a violência estava fora do controle em São Paulo… Quem vai contestar a entidade, não é mesmo?
Mogno
Ainda em 2004, o Ibama, subordinado a Marina, fez uma doação de 6 mil toras de mogno apreendidas para a ONG Fase (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional). A Fase era uma das entidades que integrava o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), de que Fábio, o maridão, era dirigente. Houve denúncias de que a política de doação do Ibama seria uma forma de esquentar madeira ilegal extraída da Amazônia. O próprio TCU condenou a doação, dizendo que ela foi promovida sem observar os princípios da isonomia, impessoalidade e publicidade. “Ao menos nos elementos trazidos aos autos, não ficaram claros os motivos que levaram à escolha da Fase como donatária”, disse o relator do processo, ministro Humberto Souto ao Jornal do Brasil.
Ibama
Aldo deu uma mãozinha ao marido de Marina, que eu saiba, como ministro da Coordenação Política, em 2004. Funcionários do Ibama denunciaram uma falcatrua no órgão, e um requerimento do então deputado tucano Luiz Calos Hauly (PR) pediu a realização de uma audiência pública na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. Eram convidados a falar o então presidente do Ibama, Marcus Luiz Barroso Barros; o ex-diretor de Gestão estratégica, Leonardo Tinoco, Fábio Vaz e o chefe do Centro Nacional de Populações Tradicionais (CNPT) do órgão, Atanagildo de Deus Matos.
Segundo a denúncia, o Programa de Desenvolvimento Comunitário das Reservas Extrativistas, financiado pelo BNDES, teria sido superfaturado. Leonardo Tinoco e dois outros servidores teriam sido demitidos porque discordaram dos valores do projeto elaborado pelo Conselho Nacional de Seringueiros. O tal Atanagildo, que já respondia a inquérito administrativo, acusado de desvio de R$ 1,5 milhão em um programa ambiental financiado pelo Banco Mundial, teria feito a tabela de preços para o programa das reservas extrativistas.
Muito bem! E o marido com isso? Ele seria o verdadeiro autor do projeto. À época, estava lotado no gabinete do então senador Sibá Machado (PT-AC). Sibá, suplente de Marina, só estava no Senado porque ela era ministra. Não lhes parece, então, muito natural que o marido da titular fosse assessor do suplente? Sibá, hoje em dia, é deputado federal e saiu ontem em defesa do marido de Marina. Foi mais longe: pediu, sabe-se lá com que autoridade, que a fala de Aldo fosse retirada dos anais da Câmara.
Tirado de Reinaldo Azevedo
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